Jesuíta Barbosa – sim, o ator que faz o Joventino na atual novela Pantanal, foi quem conseguiu equalizar dentro de mim uma inquietação que vinha ao acompanhar, male-male, o Big Brother Brasil e o governo Bolsonaro na veia.
Antes que você deixe cair ainda mais o seu queixo por ler no primeiro parágrafo desta crônica as palavras “novela” e “BBB”, eu me explico: Sim! Eu amo novela e assisto BBB desde que a pandemia me obrigou a ficar enterrada em casa por dois anos. Não, eu não gosto de assistir séries.
Então, Jesuíta deu uma declaração falando que o Brasil de Arthur do BBB e de Bolsonaro vai acabar. Preconiza, senhor! Pelo amor de Deus, que assim seja, amém!
Mas o que eles têm a ver?
Arthur e Bolsonaro – sem querer comparar o caráter de um com o do outro, já que não encontro neste país ninguém mais cruel que o atual presidente – o que eles têm a ver, além das pessoas que os seguem e que buscam em seus mitos o lado torto, desviado e dissimulado do que eu entendo por coerência, justiça, democracia e outros conceitos tão caros pra nós e tão deturpados no contemporâneo, eles se assemelham na manipulação do discurso para essas, e isso é muito grave.
Arthur: parece que engoliu um livro de auto-ajuda e passou todo o programa proferindo frases de efeito que fazia parecer que ele era sempre vítima e refém dos outros brothers, num universo onde todo mundo era mau, todo mundo agia com egoísmo e sem pensar nele, Arthur, sendo que ele, Arthur, não se envolvia com ninguém, não fazia amizade com ninguém, não se relacionava com ninguém, apenas mexia as peças do tabuleiro enquanto queria o afeto e o cuidado de todos.
Manipulando os colegas e os expectadores nesta toada de que ele era vítima de uma conspiração de pessoas que não o queriam ali e referindo-se à plateia como “pontos de luz”, somado às frases feitas sobre amizade, ética, companheirismo e sei lá mais o quê, que funciona nessa literatura de auto-ajuda, mas que na prática a teoria é outra, a vida é outra, Arthur virou bendizer um pastor e foi catequizando um Brasil que, por Deus, como é tóxico.
Bolsonaro, por sua vez, também se utiliza de palavras que calam ao coração deste pobre país já tão sofrido. Usa o termo democracia para justificar o ataque ao STF, usa “liberdade de expressão” para justificar agressões à democracia, essa que ele jura que respeita, mesmo dizendo que seguir as “quatro linhas da constituição” não é tarefa fácil. Sim, pra um perfil ditador e tirano, não tenho dúvidas de que seja difícil seguir regras que cerceiam o seu poder.
Bolsonaro não dá nome à boiada, como Arthur e seus “pontos de luz”, mas usa o nome de Deus – este “ser” que serve para agregar, unir – Bolsonaro usa seu nome para enaltecer a homofobia, a misoginia e o racismo. E isso é muito grave. Bolsonaro toca no ponto sensível de uma população extremamente religiosa e, por isso, muitas vezes alienada, já que a religião não nos permite tantos questionamentos, pois ele usa Deus para excluir famílias que não se enquadram no estreito papai (branco e rico)-mamãe (branca e submissa)-filhos (sem nenhuma deficiência)-babá (preta e pobre).
Como assim, Luciana? Explica isso direito. Pois lá vai.
Em nome de Deus ele exclui os gays, pessoas que se casam, têm filhos, sejam biológicos ou adotivos (que é um gesto lindo). Também exclui as famílias cujas crianças moram com os avós quando coloca ministros da educação que dizem que crianças criadas por avós são crianças mais desestruturadas, bem como, tais ministros dizem ainda que a educação de crianças “com deficiência” deve ser separada das de crianças “normais”, e você que tem na família uma criança especial, linda, querida, sensível tem vontade de bater num ministro insensível desses.
Continuo. Como chefe da fundação Palmares, ele coloca um negro racista, dando uma mensagem clara de que o problema do racismo no Brasil está na cabeça do negro que fica cheio de “mimimi” em vez de trabalha e ganhar seu dinheiro. Ai, gente, por favor, não vou nem entrar aqui no quesito falta de oportunidade, violência contra os negros, etc porque nós já estamos carecas de saber disso. Quem não sabe, leia Djamila Ribeiro – Lugar de fala – e se informe.
Para se furtar da pecha de misógino, Bolsonaro traz uma mulher extremamente machista para Ministério da Mulher, da Família e sei lá mais o quê. Damares, que não só não ajuda as causas urgentes das mulheres, mas atrapalha quando diz que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Vou ficar com esse exemplo, pois é mais emblemático e eu não quero polemizar nos quesitos contraceptivos e aborto.
Para mim, eles se assemelham nessa deturpação de que, dentro de um discurso pronto, trabalhado para colar nas pessoas que não estão atentas a tais manipulações, terminam por direcionar o pensamento coletivo para outro lugar, onde as obviedades são modificadas, onde o que parece ser certo causa um mal danado a muita gente. Quantas vezes o Arthur deixou o Paulo André, Douglas e Scooby com fama de injustos, encrenqueiros, gente do mal, só manipulando o discurso, colocando palavras e conceitos deturpados do que os garotos haviam feito ou dito? Eu vi várias.
Quantas vezes Bolsonaro, para justificar sua despreocupação com a vida dos Brasileiros, usou a palavra LIBERDADE para induzir as pessoas a não usarem máscaras e a não cumprirem o isolamento social que ele mesmo descumpriu reiteradas vezes?
Bem longe de mim achar que as crueldades do presidente são iguais às atitudes de Arthur. Não acho que o segundo seja uma pessoal má a esse ponto, mas concordo com Jesuíta que é preciso que esse Brasil escamoteado, esse Brasil deturpado, esse Brasil que olha somente pra si, esse Brasil que se vitimiza ao contrário, esse que se sente refém do politicamente correto, esse Brasil chato, que questiona a nossa inteligência, que nos engana, que manipula em benefício próprio. Esse Brasil mesquinho, raso e daninho, esse Brasil, sem dúvida, precisa acabar.
Gosto de Arthur como ator, mas pena que o Arthur ganhou, tomara que o Bolsonaro não ganhe. E espero que essa encenação ruim de Brasil acabe.