Vocação e o show de Marisa Monte e Paulinho da Viola

Vocação. Ontem fui ao show de Paulinho de Viola e Marisa Monte. Pronto, esta crônica poderia se encerrar aqui, porque tenho certeza de que na sua cabeça você já relembrou vários sambas da Portela, já cantarolou Dança da Solidão, Sinal Fechado, Argumento, Universo ao meu redor e muitas, mas muitas outras canções que essa dupla faz evocar na nossa cabeça.
Mas me permita um pouquinho mais da sua atenção que é pra eu tentar externar tudo o que eu vi e senti ontem, pois escrever me faz um bem enorme e me ajuda a organizar as emoções.
Que encontro!
No palco, duas pessoas visivelmente tímidas e, logo depois, denunciadas pela própria Marisa: somos dois tímidos, gente, a gente nunca sabe o que fazer nessa hora (ela se referia aos: Linda!!! Maravilhosa!!! Muso!!! Que é o que eles são mesmo.)
Mas enfim, dois tímidos que escolheram o palco, justamente o palco, como meio de viver.
Sobre viver, não me refiro apenas ao ganha pão diário, mas sim a única forma que você encontrou na vida para ser você. Paulinho só sabe compor, tocar e cantar e Marisa idem.
É vocação.
É destino, é sina, é saga, não tem escolha. Quando algo tão forte assim te pega você é sugado pra dentro, como nos arroubos de paixão, como num vício, numa areia movediça, num tornado, num tormento. Você, simplesmente, não tem o que fazer.
Ela olhava pra ele com olhares de admiração, respeito e gratidão e ele devolvia com carinho de pai. Tudo comedido, eles são tímidos, mas não sem emoção, não sem afeto, não sem brilho nos olhos, não sem tocar as pessoas.
É bonito de ver gente que se entrega ao dom que recebeu mesmo tendo que lutar contra muitos e, principalmente, contra si mesmo.
Como me fascina ver pintores cegos, ou aleijados, modelos com uma única perna (Paola Antonini), pessoas com poucas condições financeiras que ascenderam pelo seu talento, gente que larga tudo pra viver de algo que lhe realiza e gente comum que sempre seguiu a vocação porque nunca nem soube fazer outra coisa.
Penso que, quando seguimos a vocação que nos foi dada, isso traz felicidade e nos transborda. Somos tão transparentes quando estamos felizes que a verdade passa para as pessoas, mesmo quando tentamos esconder. Eu acredito também que cada um nasce com uma vocação e só nos cabe estar atentos e aceitá-la, acatá-la.
Lembro-me de um dia comentar perto de meu sobrinho:-
– Eu não tenho nenhum dom, eu queria tanto viver de dom.
– Tu tem sim, tia, tu sabe cantar.
– Mas como é que eu vou viver disso, Davi?
Pois bem me parecia impossível. Realmente eu não vivo da música, mas trabalho com a escrita que é prima irmã dessa arte ritmada. Tô satisfeita, já. Obrigada, Davizinho, por ter me alertado.
Voltando ao show, foi lindo quando Marisa se referiu a paixão em comum dela e de Paulinho, a Portela, que é outra vocação em suas vidas. O respeito à velha guarda, as homenagens e os sambas são de fazer qualquer Mangueirense roxo um portelense desde pequenininho.
Ontem assisti a um encontro. Um desses que parece uma pintura de Rennoir de tão perfeito, que parece brigadeiro de colher de tanta doçura, que parece cobertor quentinho, de tanto que nos faz sentir em casa. Um carinho , um acalanto em dias tão sombrios, um colo de mãe, um abraço de pai
Um show na voz mais doce da MPB e num dos violões mais bem dedilhados numa voz grave que temos. Um abraçaço em todos nós, uma vontade de nos entregar o que de melhor eles têm nessa vida. E nos deram tudo. No presentearam com sua vocação.
Não percam!
P.s.: O show foi no dia 10 de Junho, mas deve voltar em setembro.
Aqui vai um pouquinho do que foi aquele encontro. A filmagem foi da Cristina Cicone, alguém que não conheço, mas que foi muito generosa em compartilhar no youtube o que ela viu, ouviu e sentiu.

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