Uma escritora e um encontro

o escritor e o encontro

Uma escritora que se preze é um fofoqueiro do asfalto. Seja mulher ou homem, quem escreve, pode ter certeza, essa pessoa vive com as antenas ligadas para captar da rua ideias, personagens, diálogos, enfim, tudo o que diz respeito a todo mundo, mas que as pessoas nem se dão conta. Aí, vem a escritora, o escritor, com seu ouvido e olhar atentos e captam aquele lapso de alguém e transforma em poesia, em crônica, até em romance… Em literatura.

Aí você pode imaginar a angústia que foi ter de passar dois anos sem circular por aí. E, quando circulava, era pra ir numa farmácia, pra fazer um teste de Covid e só via gente na mesma condição e com máscara, numa cidade, fosse ela qual fosse, deserta, triste, sem cor… Como era que se ia escrever se a musa inspiradora, isto é, a vida, estava escondida, agonizando, morrendo?

Teve uma hora que quase sucumbi e desisti desta crônica semanal, juro. Não tinha mais sobre o que falar, e já não aguentava mais ter de ficar acompanhando as sandices do presidente da república, que se desfazia das vidas de nós todos, nem ligando pro nosso sofrimento e deixando com que a gente morresse, pior, nos matando. Não queria mais falar sobre isso. Na pandemia, adoecemos de Bolsonaro também, uma epidemia catastrófica que o Brasil pegou pelo voto.

Águas passadas, quer dizer, águas passando – tanto a pandemia quanto o Bolsonaro (eu ouvi um AMÉM?) – e já faz um certo tempinho que a vida voltou ao asfalto, que as pessoas voltaram a ganhar as ruas. Uma alegria só. Caminhando no calçadão de Ipanema, ontem, eu vi até o Alceu Valença, no que falei seu nome e ele me retribuiu com muita simpatia. Como é bom ver as pessoas, ainda mais os nossos ídolos vivinhos da Silva.

Pois sim, nessa de sair de dentro de casa e ir pra rua, pra mim, foi um processo meio traumático. “Destraumatizar” do pânico que eu peguei de gente, leva tempo. Ando evoluindo aos poucos, com máscara, mas cada vez mais virando humana e menos Juma Marruá (você tá vendo o remake do Pantanal pra saber quem é a Juma? Não? Menina, tá ótima!), estou deixando de virar uma onça a cada pessoa que chega perto de mim.

Estava muito bem com minha tese e meu brownie gigante numa cafeteria delicinha daqui do Rio – minha tese tem sabores incríveis – quando uma mulher de seus setenta e poucos anos comenta algo e me olha. Quando a vejo, ela estava com uns óculos lindos, um cabelo todo branco num corte massa e uma roupa super fashion, despojada, ela estava linda.

Falei: A senhora é tão bonita, tão fashion!

-Nossa, obrigada. É tão bom ouvir isso, estava meio pra baixo, meu filho não vai estar comigo no Dia das Mães, me fez tão bem ouvir isso.

Nessa hora, a terceira pessoa que estava na cafeteria, que coincidentemente é de Fortaleza, falou: – A senhora está incrível.

Pois, minha gente, disso daí, nós três engatamos num papo de uma hora, ou mais. Falamos de profissão, de relações, de injustiça social, política… Falamos de tanta coisa num movimento tão bonito de fala e de escuta, onde todas se interessavam pelo que todas tinham a dizer.

A de Fortaleza que é espírita, disse que certamente nós estávamos tendo um encontro, que nos conhecíamos de outro tempo, outra vida e, ali, tivemos a oportunidade de nos revermos. Olha, eu que não sou uma mulher de tanta fé, devo confessar que a nossa afinidade era tão grande que eu penso que sim, fomos amigas em outras vidas.

Trocamos Instagram e Whatsapp e elas se foram. Fiquei com uma sensação deliciosa de poder reencontrar com as boas surpresas da vida. Passar um tempo com desconhecidas que te compreendem, te enaltecem mostrando que nem tudo nesse mundo são as notícias trágicas e o Bolsonaro. Que o amor, as amizades, a compreensão, o cuidado, o carinho, eles resistem.

Resistem no dia a dia e resistem ao dia a dia.

A mim, mera escritora, tive a sorte de poder colher esse dia. Transformei em crônica pra você ler e pra você saber que, enquanto a gente está com a cabeça enterrada em nossas questões e na tela de nossos celulares, tem uma vida em volta, com gente da gente, com gente que a gente nem conhece, ou que conhece há muito e muito tempo e reencontrou por “acaso”.

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