Melancolia Florida
Hoje eu acordei meio melancólica.
Perdi a hora… Quer dizer, mas eu nem tinha hora marcada! Mas mesmo assim perdi. Aliás, eu sempre acho que estou perdendo.
Mas hoje eu acordei meio melancólica.
Quer dizer, eu sempre acordo assim. Cedinho da manhã, ou mais tarde um pouco, como no caso de hoje, eu me levanto como se tivesse guerreado à noite e perdido a batalha. Ou como se alguém tivesse me deixado, me abandonado, como se eu nunca mais fosse ver.
Acordo com saudade.
Às vezes eu tenho medo. Como se algo ruim tivesse prestes a acontecer, ou tivesse acontecido. No caso de hoje aconteceu mesmo. Foram muitas mortes, tudo da mesma família, tudo garotada jovem – de corpo ou de espírito – tudo gente com a vida inteira pela frente. Gente que ainda estava só começando a desfrutar dessa delícia que é viver. Gente com filho pequeno, mulher com saudade, gente cheia de vontade ainda. Força chapecoense!
Eu sempre acordo melancólica.
Aliás acho que passo o dia assim, só que vou me distraindo. É de minha natureza, nasci no agora, mas vivo num passado que é muito sem futuro. Sem futuro igual a esse trocadilho besta.
Aí, eu sempre faço uma autoanálise. O que é mesmo que tá doendo?
Será que foi a terapia de ontem? Ou foi a dor na coluna que está incomodando. É não, eu sei, é o exame que tô adiando há dias pra levar na médica por pura preguiça. Não. Não deve ser só isso não. Mas é isso também.
O professor disse na aula passada que queria saber onde é que dói em mim. Que o escritor só aparece quando o seu ruído interno aflora nas palavras. E eu já achando que colocava todas as minhas lamúrias aqui.
Se minha mãe ler essa crônica vai achar que eu tô mal… Mãe, to bem, viu?!, é que eu me tornei assim mesmo. Mas vivo ótima, apesar de mim.
Fico pensando se eu num tô escondendo alguma coisa é de mim mesma. Tipo um rancor, uma mágoa, uma raiva que pode ter me acompanhado desde meus sete anos, sei lá. Se foi, já fez morada na minha vida. É como um órgão, um braço, já faz é parte.
Mas acho que não. Isso é Freud demais pra mim.
Mas que eu acordei, e acordo, melancólica, isso sim.
Disse-me uma amiga, certa volta (acho tão engraçada quanto cafona essa expressão “certa volta”, mas eu acordei melancólica, então resolvi me divertir com as palavras, minhas companheiras do dia todo).
Um adendo dentro do parêntesis. Quem me acompanha aqui sabe que eu me mudei e, quando você muda, o mais difícil é fazer novos amigos. Então, como tenho bem poucos aqui ainda, as palavras é que me acompanham e os pensamentos me atordoam. Mas eu lido bem. Desconfio de que até gosto.
Mas a tal amiga me disse uma vez que meu espírito é velho, encarnado muitas vezes. Acho que tá aí a explicação pra essa melancolia que se acorda junto comigo. Devo trazer essa sensação de outras vidas.
Aí eu fico me perguntando: Que raios eu vivi nas outras vidas que me faz acordar com essa melancolia? Já não bastam todos os dissabores e frustrações e medos e angústias que adquiri nessa, eu ainda tenho de trazer de outras?
É muita melancolia mesmo. Melancolia retroativa.
É como se fosse uma melancolia florida, como o título dessa foto linda. É quase que uma companhia, essa melancolia. Ela gosta de mim e eu me aconchego nela.
Mas quando eu acordo assim, que é sempre, bastam alguns minutos, uma horinha, pra eu me recompor. Faço uma coisa, faço outra e já me distraio. Tomo café, vou pra academia, ligo pra médica pra levar o exame, lembro que tenho que estudar, que escrever, que trabalhar e, como trabalho com o que gosto, me encho de felicidade.
A vida é isso, né?, um distrair-se e um ocupar-se (para distrair-se e achar que está aproveitando a vida, mas na verdade a gente está mesmo é se ocupando. Pelo menos em horário comercial, a meu ver, é).
Ligo pra minha mãe, recebo a foto do meu sobrinho lindo, que descumpriu o combinado – eu combinei com ele, porque ele mesmo só tem seis meses – de só crescer quando eu estiver por perto. Dado que fico mais de mês sem vê-lo, quando eu voltar, vai estar do meu tamanho.
E assim a gente vai levando, a gente vai se levando, algumas vezes se arrastando, mas sempre acreditando que coisa boa vem. Aliás a coisa boa já está, ela sempre está, basta parar pra olhar. Estar vivo já é bom, muito bom.
Triste é quando se olha adiante e não se tem rumo. Triste é quando um time inteiro, uma família toda, a juventude inspiradora de uma cidade parte bem na hora em que as cortinas estão se abrindo para o espetáculo começar.
Pra ouvir, vamos de quem perde a hora a hora e que eu adoraria estar nessa preguicinha junto.