Espero que você leia essa carta, meu querido.
Espero que você leia essa carta, meu querido.
Eu queria trazer leveza pra sua vida. Para as nossas vidas.
Queria que você me visse com alma solar, com a cuca fresca, com essa liberdade toda que eu tanto busco.
Mas de uns meses pra cá tudo em mim parece que desbotou, fechou o tempo, faz frio e tá cinza.
Tento correr pra buscar aquele frescor e me deparo com as paredes de casa, há meses. Há cinco meses que todos os domingo são os mesmos entre acordar, enrolar na cama pra gastar o dia, passar o dia com uma angústia, tentar me distrair pra esperar o futuro e ir dormir com dor na vista e na garganta. Uma de tanto tentar enxergar o mundo que não acesso pela tela do celular – deve ser vista cansada – a outra, talvez seja de não poder falar tudo o que eu queria te dizer. Pra você e pro mundo. Escrevo.
Hoje, minha prima se lembrou com saudade de que era dia de estarmos juntos. Pediríamos pizza ou teríamos brownies com sorvete e mais duas ou três sobremesas que levariam para nos fazer um banquete. Banquete de afeto e é só isso que importa. Muita fartura de gente, de sorrisos, de esperança, de empatia, de saber que não estamos sozinhos nesse mundo tão lindo quanto assustador.
Eu ando bem assutada. Com a pandemia e com o resto. Não quero comentar aqui o caso da menina de dez anos estuprada e grávida que, num segundo, ou num trigésimo abuso, ainda teve de ser exposta ao escárnio da nossa sociedade para simplesmente fazer valer a lei. Aliás, eu tenho muita preguiça de não legalizarem o aborto. Como podem querer legislar sobre os nossos corpos? São os mesmos que abandonam filhos, são os mesmos que abusam de crianças e mulheres. Homens. Esses homens que nos querem recatadas e do lar fazendo um trabalho exaustivo que chamam de amor incondicional, mas, na verdade, é trabalho não remunerado, esse de cuidar da casa e das crianças (esse conceito é da Silvia Federici) e não ter direito sobre o próprio corpo. Dá pra acreditar nisso?
Eu vinha falando de leveza, “nera”, meu querido?
Por vezes, eu até tento disfarçar, falar que “bola pra frente” porque eu ainda tenho esperança. Digo na vida, no futuro, no Rio de Janeiro no ano que vem e a esperança de poder brincar sem máscara com meu sobrinho. Mas eu já até me acostumei com a máscara, estar com ele compensa esse infortúnio. Mas penso que ele gostaria de me ver sorrir pra ela toda vez que ele faz graça, ou simplesmente chega. Basta ele chegar pra eu sorrir.
Virei noite de uns meses pra cá, mas, quer saber?, eu acho que sempre fui. Loba, sempre fui loba que uiva na calada noite as emoções das quais não dei conta durante o dia, durante a vida, desde que sou criança. Acho que quem uiva é a minha criança. Ela ainda tem 8 anos e tem medo de fogos de artifício e de gente. Mas ela adora gente e só fica muito bem em meio aos seus.
Mas eu comecei essa carta dizendo que eu queria ser solar, estar nessa vibe que tanta gente está, sorrisos tão largos eu vejo no meu celular. Esse que me dá dor na vista, dor de cabeça.
Mas não. O sol tem, inclusive, me ofuscado, encandeado, apesar de eu ser movida a sol, a sal, areia e mar. Vai ver que é por isso que eu ando meio noite, é a falta da fotossíntese.
Mas você já olhou pra lua? Digo assim, fixamente até ela confundir a visão? Olhou assim como quem busca uma resposta, um clarão? A lua já entrou na sua casa e fez um rastro que você, sem saber se poste, ou se de luz da casa do vizinho percorreu na esperança de ser lua e era?
Eu sim, eu sempre. Ora me deparo com o poste, ora é a luz na casa do vizinho. Mas acontece “vezenquando” de ser lua e se faz clarão no meu quarto, se faz esperança na minha vida, se faz vida, se faz dia. Te espero.
Bom dia!