Escrever a partir da alegria, por incrível que pareça, é mais difícil.
Não sei se a dor, se o sofrimento ativam uma área do cérebro que atiça a inspiração. Ou se não, se é porque na alegria, na felicidade a gente tem mais energia, tem mais vontade de sair por aí vivendo, aí acaba que nem tem tempo de pensar em palavras que descrevam a sensação tão gostosa de se estar feliz.
Ou se a gente tem medo da inveja, do olho gordo, e prefere guardar a felicidade pra si, pra que um dia de sol não seja nublado por uma tempestade com raio. Ou não, vai ver que quando a gente tá triste, escrever é uma forma de sarjar a dor, um jeito de tentar resgatar a voz que cala tão dentro que, em silêncio, no silêncio que decorre do triunfo da tristeza, do esgotamento de energia, escrever, portanto, é uma forma de falar o que não tem nem nome.
Vai ver que a alegria silencia os medos, nos distrai das angústias, nos anestesia das preocupações e é melhor seguir meio alienada até a próxima notícia ruim, logo, melhor não escrever, logo, escrever fica mais difícil. Deve ser isso, a alegria é uma morfina.
Já a dor não, a dor é um bicho peçonhento, fica cutucando, corroendo, fica gritando – desdizendo o que eu acabei de inferir no parágrafo anterior. Mesquinha, nojenta, essa dor berra. Daí que escrever fica mais fácil, já que, de alguma forma, o escritor precisa sair daquele lugar sufocado, dar vazão àquelas vozes lancinantes.
Ou vai ver que… Sei lá… Que eu tô enrolando nessa crônica porque uma estranha felicidade, ou uma certa serenidade se abateu sobre mim depois do fim do mundo, depois do fundo do poço e, apesar de eu saber que a felicidade é um músculo a ser exercitado com pensamentos bons e boas doses do que se gosta, o que requer esforço, sei que de tempos em tempos, ou sempre, ela, a felicidade, é atingida por uma saudade, uma tragédia, uma preocupação, algo que a fragiliza e que constantemente a coloca vulnerável e a coloca lá pras cucuias.
Nos resta, todos os dias, a vida inteira, ir lá buscar essa danada tão fugidia, mas tão bonita, que se esconde em um banho de mar, num pedaço de bolo de chocolate, na risada de uma criança, em dias de sol, num beijo na boca, numa boa conversa, num vinho a dois…
Viver é ir buscar a felicidade, a alegria e, no caso do escritor, parar de escrever à medida que vai saindo do buraco, até voltar a doer e escrever tudo de novo.
P.s.: a foto que ilumina essa crônica é de um tempo muito feliz como há tempos eu não vivia.