Aniversário de avó
Hoje é o aniversário da minha vó Sônia,
Eu nunca escrevi pra ela. Certamente, a maioria dos meus amigos nem sabe que o nome da minha avó materna é Sônia. Ela ficou muito pouco tempo nessa vida comigo… Tomara que tenham outras.
Da minha vó Sônia só tenho uma lembrança que é minha, a de que, em uma viagem de carro, eu estava com sono, queria dormir e esticar minhas pernas, só que meus pés ficariam em cima dela. Aí eu, meio sem graça, disse: “Mãe, onde eu coloco minhas pernas?” E minha vó respondeu: “Bote aqui, minha filha, no colo da vovó”. Eu devia ter uns três anos e faço questão de nunca me esquecer disso.
Eu tinha cinco anos quando minha vó Sônia morreu. Ela se foi bem nova, com a idade que minha mãe tem hoje, e minha mãe, do jeito que vai, não vai me deixar tão cedo. Torço por isso todos os dias de minha vida.
Certa vez, li em num livro, agora me fugiu o autor, que “A pessoa só morre quando a última pessoa que se lembra dela morre”. Minha vó Sônia está vivinha da Silva, porque o que ela deixou é vivo em mim até hoje.
O amor que tenho pela minha vó Sônia foi todo construído pela memória dos outros, ou melhor, das outras, suas filhas, que herdaram muito dela e que só me trazem as melhores recordações.
Aprendi a amá-la pelo amor do meu pai por ela, que sempre dizia, “Sogra era a minha”, ele amava a “Voné” dele. Meu amor e admiração por ela só crescem através de suas amigas, das quais, hoje, sou vizinha no Rio e sempre que descobrem que eu sou NETA DA SÔNIA abrem um sorriso largo e brota um brilho nos olhos. Assim, vou descobrindo a minha vó.
Descubro que ela sempre foi uma pessoa muito doce, muito amorosa, mas ficava “envergonhada” quando minha mãe ficava enchendo ela de beijos na janela de casa: “Minha filha, o que os vizinhos vão pensar?”
Descubro também que essa distração que trago comigo, de esquecer coisas no fogão aceso, por exemplo, pode ter vindo dela, só que ela, mais esperta, pregava em si um cartaz: “Lombo no forno”, para não deixar o almoço da família queimar. Eu, tolinha, quase botei fogo na casa com as maças esquecidas.
Descubro que ela fôra uma mulher a frente do seu tempo. Sempre trabalhou fora – como professora – mesmo quando a maioria das mulheres tinha os serviços do lar como obrigação.
A casa da minha avó era muito bem cuidada e administrada. Eram cinco filhos, mais meu avô, os pais do meu avô e as avós do meu avô. Minha avó acolhia pessoas, as dos outros, as amigas dos outros, a sobrinha dos outros, tudo era também seu, dentro daquele coração gigante
Essa generosidade toda fez com que minha mãe trouxesse lembranças lindas de uma infância cheia de gente, com cheiro de comida que a avó fazia, com a convivência com as “bisas”. Imagino que não seja fácil abrigar toda a família do marido, mas isso nunca me foi repassado, certamente porque minha vó Sônia nunca se queixou.
Amiga fiel, detestava confusão e intriga, sempre dava um jeito de contornar os problemas de agradar. Muito querida, ela. Acabei de ler ali uma carta que o Frei da paróquia que ela frequentava escreveu pra ela na ocasião de seu aniversário, anos depois de sua morte. Ele dizia essas coisas dela.
Minha avó aguentou um divórcio, que não foi fácil. Nunca é, ainda mais para a geração dela. Minha avó depois lutou contra um câncer, que acabou sendo maior do que ela, mas ela resistiu por um bom tempo. Ela era doce, mas era forte, a Dona Sônia.
Minha avó amava os netos. E toda vez que nascia um aqui em Fortaleza, ela se mudava pra cá e passava uns cinco meses. Ajudava com tudo, até com as babás novas que misturavam fralda de pano suja com roupinha suja e deixava minha mãe doidinha. Minha avó dizia pra mamãe: “Da cozinha pra cá, você não entra deixa que eu cuido”.
Minha avó era linda! Rosto largo, nariz perfeito, maças do rosto que apareciam bem e com um sorriso daqueles. Elegante, com os quadris que eu, ainda bem, herdei, o que nos confere (a mim, minha mãe e minhas tias) um corpo cheio curvas J. Valeu vó!
Eu nunca chorei por minha avó. Descobri isso hoje. Eu era muito pequena quando ela morreu e minha mãe sempre falou dela com tanta alegria, que não me vieram as lágrimas. Hoje, confesso, estou emocionada escrevendo esse texto pra ela. Talvez seja a primeira vez.
Eu lamento por não ter podido criado mais memórias minhas junto com ela, mas tenho uma vontade de deixar minha marca no mundo, de poder ser lembrada por coisas boas, que nem quando as pessoas ouvem um samba, ou vão ao Rio e se lembram de mim. Fico feliz!
Pois minha vó conseguiu, ela é lembrada sempre com sorrisos e brilhos nos olhos. Ela é guardada nos corações por pessoas de bem, ela gerou pessoas de bem que trazem consigo seu legado, seus exemplos, seu jeitinho de ser.
Hoje é o aniversário da minha vó, Sônia.
Hoje é dia de festa no céu.
Parabéns pra ela!