Escrever, para mim, é um processo bem interessante. Eu vejo uma cena, ou seu sinto uma emoção, uma melancolia, uma alegria, um cheiro, um gosto… Enfim, aí as palavras começam a tentar se organizar na minha cabeça e a sensação do que vi, ou senti, começa a se formar em narrativa, seja crônica, poesia, aí eu fico agoniadinha querendo logo chegar em algum lugar onde eu possa escrever aquilo pra não se perder de mim.
A pessoa que me lê pensa que é fácil, né? Mas não é não. rsrsrs. Mas é o que eu eu mais amo fazer.
Porque a vida me encanta no que é cotidiano, corriqueiro, e me arrebata com o que é extraordinário, claro. Mas é que esse à miúde do dia a dia, esse tempo fragmentando pela posição do sol, que a cada instante proporciona algo novo pra um olhar atento, esse negócio de chover e subir o cheiro da terra molhada, que pode parecer bem cliché, mas, pra mim, é dos melhores cheiros que sinto, me lembra casa, colo, afeto. Tá chovendo aqui no Rio e tem um vasinho de planta que, toda vez que abro a janela, o cheiro da terra sobe. Ontem fiquei respirando ali pra poder me inebriar dele.
Isso tudo é pra falar de duas cenas que vi, mas pode ser que venham mais. Estava tomando café da manhã na Gávea com um amigo, eis que chega uma mulher bem simpática dando bom dia. Retribuímos meio sem jeito, pensei que ela era doida, mas depois vi que a simpatia vinha da dona do lugar, aliás, um lugar bem gostoso – da casa da tatá – e depois até puxei assunto com ela. Nossa mesa era bem perto da calçada e daqui a pouco passou um senhor, já perto dos oitenta, nos dando bom dia. Pensei: ou o povo da Gávea é doido, ou é muito simpático.
Eis que lá se vem uma tutuca, um pingo de gente, loirinha, olhinhos azuis, com um aninho e bem pouco de idade, pois andava igual a uma velhinha, aquele andar que o quadril vai junto de quando a criança tá aprendendo, ou de quando o idoso está desaprendendo. Passou por nós, ela e a babá e parou pra sorrir pra gente e ser simpática como o povo da Gávea. Na volta do passeio, passou por nós novamente, agora com um biscoito na mão, certeza que ganhou de algum “conhecido” do bairro pra quem ela deve sorrir todos os dias. Passou por nós e eu puxei conversa e ela prontamente sorriu e com suas pouquinhas palavras, traduzida pela babá, me disse que ia pra casa ver a “cacá”, que era a irmã. Falar mesmo ela só falou “cacá” e apontou com a mãozinha o sentido da casa.
Ai gente, tem coisa mais linda que uma criança sorrindo?
Pois hoje, vi outra cena dessas que deveria ser passada todos os dias na TV aberta e no Netflix pra gente aprender como a vida é bonita. Um pai numa bicicleta, um filho na cadeirinha da bique e o outro, com seus cinco anos, no colo desse pai, agarrado com ele e conversando, Do lado, protegendo a todos e curtindo o passeio, um labrador enorme, sem coleira sem nada, pois ele jamais se perderia daquela cena que eu vi. Salvo o pai estar guiando a bike só com uma mão e todos estarem sem o “papacete” como diria meu sobrinho aos dois anos de idade, a cena era a coisa mais linda do mundo. Falei pro pai: Que cena mais linda! E parei um carro na rua pra que pudessem atravessar em segurança.
Mas Luciana, a quem que isso interessa, pelo amor de deus? Besteirol de cenas fofas que se vê na rua? Será possível que você não viu a quantidade de mendigos dormindo com crianças na rua, gente que tomou chuva, que estava com frio? Será possível que você não reparou na bagunça, na sujeira? Nem mesmo a água da chuva decantada na rua que subiu o seu tênis quando você pisou na tampa do esgoto te fez ver que a vida está bem longe de ser esse sorriso da irmã da “cacá”?
Não, gente, certamente eu estive e estou atenta à tudo isso. Aliás, salta aos olhos, aborda a gente, pede comida, pede trocado… Gente que já foi uma criança e devia sorrir no seu bairro, feito a loirinha de olhos azuis do sorriso mais simpático daquela Gávea todinha.
Mas a vida é isso e aquilo, e, hoje, eu vou ficar com a pureza do sorriso das crianças pra achar que a vida é bonita. E é bonita!