O rosto e o corpo e o sonho e a alma e a vida da mulher na guerra

Foto fonte: https://bit.ly/2rCTWRR

Tirei a quarta-feira à noite, dia 9/05, pra ir ao teatro. No jornal, o anúncio da peça: A guerra não tem rosto de mulher. Como me interesso demais por esse período tão sombrio, deprimente, triste e sem sentido – como toda morte vã – da nossa história, fui, mas já prevendo o que me esperava.

A guerra não tem nome de mulher, é inspirada no livro homônimo de Svetlana Aleksiévitchi, que reparou uma injustiça com quase um milhão de mulheres que lutaram no Exército Vermelho e suas vozes nunca foram ouvidas.

Sempre com versão masculina, o horror passado pelas mulheres que estiveram no combate, nunca foi elucidado. Infelizmente, a misoginia é comum na literatura, mas temos autoras como a Svetlana e tantas outras pra nos fazer falar e sermos ouvidas. 

A montagem é feita com três ótimas atrizes que brilham do início ao fim, incansáveis, é de admirar, já que o uso do corpo como ferramenta de imagem do horror se faz presente o início ao fim do espetáculo. Carolyna Aquiar, Luiza Thiré e Priscila Rosembaum te prendem, te olham nos olhos quase que pedindo socorro e te emocionam com suas emoções. 

O teatro estava bem vazio, não sei se por ser dia de semana, ou por ser peça de guerra, ou por ser guerra por mulhres… Não sei, mas lamentei.

Trata-se de um relato de três sobreviventes da segunda guerra mundial, da qual participaram ativamente no fronte. Atiraram, mataram, salvaram, se apaixonaram e até sonharam durante esses quatro anos de horror. 

Eu não sabia da existência de mulheres no fronte. No início, elas pareciam ir por orgulho à pátria, mas assim que chegavam ao exército, vinha a realidade. A guerra, nem de longe, é para idealizadores, românticos e sensíveis. 

Ao contrário, ela vai corroendo qualquer traço que se tenha de vaidade, doçura, ética, amor, compaixão. Ficam a dor, o ódio, a revolta, o medo…

Contudo, o que se vê, em meio a tanta perda, é o eterno reavivar dessa chama de esperança. De que aquilo vai passar, de que haverá um casamento, filhos, família e paz no futuro. Será que os homens também pensaram assim?

A guerra não tem rosto de mulher surpreende porque, por mais que se tenha noção do horror, este horror ainda é muito maior. Nunca cessa de ser surpreendentemente dilacerante. Nunca pensei que mulheres pudessem estar ali, em meio aos “inimigos” que vinha tanto de dentro quanto de fora do exército. 

É muito mais difícil você ver uma mulher empunhando uma metralhadora, mais difícil a mulher assassina, mais difícil a mulher criminosa. Não sei se cultura ou instinto, mas a gente sente diferente.

Das cenas mais marcantes pra mim, foi a de uma mãe que, ao ir a enterro do filho em pleno front, viu que outros soldados haviam morrido e que ela choraria, em nome de suas mães, não só pelo filho dela, mas por todos eles.

Me tocou também o relato da menstruação e de mulheres que, em meio ao tiroteio, ao ver um lago, em vez de se esconder, foram se lavar e lá ficaram e muitas foram bombardeadas. O feminino vale mais que a vida. O feminino é vida.

Por fim, para parar de dar spoiler, chocante – a peça toda o é – também é a cena da filha que precisava atirar na mãe, que estava servindo de bode expiatório para o exército inimigo.

Não espere que você vá sair de lá com a alma leve, não há final feliz, ainda que os relatos sejam de sobreviventes. Mas vá. Vá porque não é só de circo que se vive e há fatos que deveríamos nos lembrar com frequência para que, ao não serem esquecidos, inviabilizem seu retorno.

Fundamental nesta era de retrocesso que que estamos vivendo, na qual vemos reascender movimentos que evocam esse passado como solução para um presente desnorteado. 

Sinceramente eu não consigo alcançar essas mentes. Elas me entristecem e assustam. Mas nos resta alertar, não deixar esquecer, reavivar esse horror pra que fiquemos alertas.

Vou esperar nos comentários as suas impressões. 

Onde: Teatro dos Quatro – Shopping da Gávea.

Ter e Qua – 20h. R$: 60,00 (inteira). Até 31 de Maio.

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