Esse tal de feminismo

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esse tal de feminismo
Tenho ouvido muitas perguntas sobre o que eu me tornei, tais como: Você é feminista?, ou “Você virou feminista?”.

Nos rostos que me indagam – sempre mulheres – uma cara de certo espanto, com um quê de “no que foi que a Lu se transformou?”, com uma pitada de algum sentimento que não consigo identificar, mas é meio que “Deus me livre, mas quem me dera”. Como se houvesse um interesse por trás daquilo que assusta tanto, mas que fascina de certo modo.

Medo! Percebo que a maioria das mulheres tem medo “desse tal de feminismo”, esse que vem muito antes de nós pensarmos em nascer passa por muita coisa e atravessa a Anitta no clipe “Vai Malandra” e quase todos os outros dela, chegando, quer dizer, não chegando, porque o movimento feminista contemporâneo está em franca expansão, mas indo também até as mulheres que resolveram mostrar os peitos na rua e não se depilarem mais.

Sim, é uma confusão para nossas cabecinhas que cresceram com a cor de porcelana da Branca de Neve, quem só sobreviveu porque o príncipe foi lá e a beijou. Quer dizer, abusou dela, já que ela estava completamente inconsciente, não é mesmo?

Atrela-se a “esse tal de feminismo”, outra expressão que vem se estigmatizando e causando estranheza e até repulsa – quando não causa ódio – que é o “tal dos direitos humanos”.

Agora eu dei um nó, não foi? Foi.

Quero deixar claro que eu não são profunda conhecedora de ambos os temas, li pouco da literatura feminista, apesar de debater o tema incansavelmente em rodas de mulheres, e apesar de estar lendo mulheres, o que me aproxima de seus mundos e de suas dificuldades. E é isso mesmo, “esse tal de feminismo” está no empirismo, está acontecendo com a gente, agora, e sempre esteve acontecendo, a gente só não sabia dar o nome.

Nessas rodas de conversa, ouço falas que vão desde “Ah! Já não aguento mais falar disso, acho que o assunto descambou pra um lado que não concordo.”, até “A, esse tal de feminismo está atrapalhando as relações, os casamentos, porque as mulheres, agora, se acham no direito de tudo e ficam patrulhando quem não quer ser feminista”.

Ai, gente! Fico doidinha quando ouço esses relatos. Me dá vontade de juntar uma roda com a outra e, de mãos dadas, dizer: vamos conversar, meninas, vamos nos ouvir?

Em 2014, ouvi de um amigo algo que me marcou e que eu procuro pensar quando minha cabeça parece estar sucumbindo a tantos novos conceitos aos quais devemos nos readaptar. Segundo a Astrid (do GNT), nós precisamos reaprender a falar. Voltando ao meu amigo, ele disse: Lu, nossa geração é cobaia de um monte de mudanças que está acontecendo por aí.

Sim, somos cobaias. Somos cobaias de uma geração a qual parte dela busca vorazmente a sua liberdade, mas que se depara com um medo atávico da outra parte de se deparar com as novas formas de se comportar, de se relacionar, de comer, de se vestir. Somos cobaias de uma geração que não quer mais ser mãe e nem estar em relacionamentos só porque aprendeu desde cedo que o caminho da sociedade era se casar e ter filhos. Porém, tem uma parte que talvez não saiba lidar com escolhas – porque não é nada fácil ter opções, acredite – e termina por tentar manter o status quo, ou seja, o marido provê e a mulher cuida dos filhos, fica gata e comparece três vezes por semana, no mínimo, que é pra ele não querer transar com outra.

Somos cobaias  – e essa é pra mim a principal mudança – numa sociedade que dialoga por redes sociais. Uma sociedade que se embruteceu ao criar coragem detrás das telas e não precisar mais encarar o interlocutor. Recorro à Freud pra me ajudar a dar conta e penso que vivemos num contemporâneo sem superego, as telas nos tiram o filtro que o tête-à-tête e vamos destilando tudo de ruim os vem à mente, gerando assim incompreensões, brigas, mágoas. A fala nas redes é sem interlocução, sem “pera aí, não é bem assim”, ou “cara, discordo, olha, lembra de quando a gente era pequeno que a gente fazia isso, e agia assim…”, enfim, nossas conversas se resumem a mensagem cifradas, com poucos caracteres, sem que possamos desenvolver um raciocínio, o que fica parecendo que ninguém raciocina mais.

Afff! O feminismo, do que eu queria falar, ficou lá atrás. Mas calma, vou costurar tudo, prometo, mesmo dando um ponto sem nó no final.

Penso que esta é uma das melhores épocas para se estar vivo e consciente, ou seja, sendo adulta e podendo atuar de forma a gerar mudança. Parece loucura isso, mas a verdade é que nossa sociedade finalmente saiu de uma apatia que nos fazia repetir mil vezes: “isso é assim mesmo”, “não vai dar em nada não”, “ninguém vai preso não”… Hoje a gente sabe que vai, hoje a sabe sabe que tem cadeia pra rico, pra político, pra pobre, para agressor de mulheres. Ainda que estejamos a anos luz de se fazer justiça, é fato que estamos andando. Ainda que com algumas injustiças nesse meio de caminho, estamos avançando.

Mas ser cobaia é estar num limbo, ser cobaia, neste caso, é ser marionete de quem a gente ainda mal sabe quem. Marionete de nós mesmas, mas tudo meio sem cara, tudo meio sem endereço, tudo muito novo nessa era digital, global, cheia de liberdades e aprisionamentos, cheia de vanguarda e conservadorismo, cheia de coragem e medo.

 

Minha tática para lidar com o que muitas chamam de “esse tal de feminismo” é ir tateando, é o da observação, da aceitação de que, minha opinião pode estar redondamente enganada e, por fim, o de não julgar.

Eu por exemplo, muito provavelmente não iria para a rua com meus peitos de fora, mas sei que para eu ter meu direito de sair do jeito que eu quiser e não ser estuprada, alguma mulher mais corajosa do que eu, foi lá e botou os peitos de fora no meio da Paulista e disse “meu corpo, minhas regras”. Isso também vale para o direito ao aborto, o qual sou totalmente a favor. Também não fico dizendo “que coisa mais horrorosa” quando vejo um beijo gay, até porque eu acho a coisa mais linda toda forma de amor. Também não acho mais graça alguma em piadas machistas e preconceituosas e não dou risada pra não constranger quem contou.

Enfim, a minha opção para compreender todas as revoluções que estamos passando e me beneficiar delas, é a de me informar, procurar saber e extrair dali um aprendizado, ainda que seja o de que eu não quero pra mim. Sou grata a quem vai à luta por seus direitos. Quem sou eu pra julgar alguém que fez o que eu não tive coragem, não é mesmo?

Ah! E deixa eu te falar uma coisa, nenhum homem – a não ser que ele seja um ser elevado – vai gostar do feminismo não. Este homem que não vai gostar do feminismo pode ser seu marido, seu irmão, seu pai, primos. Não estou dizendo que eles são pessoas más, de maneira nenhuma. Contudo, na cabeça de muitos deles, o feminismo não melhora em nada a vida confortável que ele tinha quando tudo girava em torno de seu umbigo.

Mas entenda que, para você trabalhar, teve uma feminista por trás. Para você bater boca com algum homem não aceitando alguma situação, teve uma feminista por trás. Se seu salário está equiparado ao de seus colegas homens, erga as mãos para o céu e agradeça, teve uma feminista por trás. Se você vota, teve uma feminista por trás. Se você usa calça jeans, teve uma feminista por trás. Se você se divorcia – ou já pensou nisso – teve uma feminista por trás. Se você exige fidelidade, teve também uma feminista por trás.

Enfim, nunca foi fácil para as mulheres, então, se você é mulher, mesmo que você não concorde lá com muitas coisas, não julgue não, não compartilhe não. Reflita sobre o fato, filtre qual é a mensagem que está ali e fique só com o que lhe serve. Desse modo, você estará ajudando muitas outras mulheres a também poderem escolher.

Bjs, meninas (e rapazes que abraçam a causa com a gente).

Lu

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