Escrever é remexer-se

Dos mais difíceis trabalhos de uma escritora é remexer-se (de um escritor também, coloco no feminino mais por uma questão feminista mesmo. Homens, sintam-se representados, ok?).

É difícil essa tarefa de, a cada texto, buscar mergulhar-se ao máximo pra que surja algo de único, de só seu, pois assim e somente assim, a escritora pode tocar a alma de alguém. E, no final, é isso que importa, tocar a alma de alguém.

E não é só pelo sucesso que se pretende tocar as almas. Na verdade, acho que ninguém chega ali pelos seus dezesseis anos e diz: vou ser escritor pra ganhar muito dinheiro falando o que eu penso e o que eu sinto para as pessoas. Asseguro que não, até porque, pense num terreno difícil de fertilizar é o da escrita. Poucas pessoas leem, tem muita literatura boa e ganhar dinheiro com isso é para poucos, muito poucos.

Na verdade, a questão do escritor é de outra ordem. Escrever é quase que ser abduzido, é quase que sem vontade própria, é quase que ser possuído. Você não escolhe a escrita, é ela quem faz isso. Ela quem – assim mesmo, feito pessoa – ela quem te escolhe.

A escritora pensa em narrativa textual, sente em poesia, desabafa em crônicas, chora em contos e vive em romances – e aqui, não confundir romance com romantismo, ok?, nem sempre o final é feliz para sempre. E escrever é uma tarefa super solitária, é você quem tem que se haver com seus sentimentos, suas dores, paixões, medos e colocar, de algum jeito que lhe preserve minimante, aquilo pra fora, não apenas como desabafo, mas como literatura.

E, por incrível que pareça, feito um milagre, essa nascente de um desemboca em outro e ali floresce. Ali faz cair uma lágrima, arranca um sorriso, ali emociona, toca, ali faz um amor renascer, uma ferida sangrar de novo pra sarar melhor depois… Costumo dizer que não gosto dessa literatura de auto-ajuda, acho piegas, mas que a literatura ajuda, e muito, mesmo não sendo esta a intenção.

Quando é intencional, quando se escreve para agradar alguém, pode reparar, a literatura é rasa, rasa, nem comove, nem fede e nem cheira.

E daí que eu comecei a falar desse processo todo porque li um título compartilhado no perfil de um colega de ofício, o Júlio Camilo – @cronicaalencarina – chamado Crônica Aguda – escritor Cleomenes Heraldo (@cleomenesheraldo)  e começava com a “sentença” “sentando num banco da praça…”. Nem li o resto, já me remexeu o suficiente. Já senti uma solidão de quem tá sozinha num banco de praça e essa dor crônica e aguda que deve ser o mal de todxs xs escritorxs.

A gente se dói com quase tudo, por tudo e deve ser por isso que seja tão difícil entender a falta de humanidade que nos ronda e que se avizinha cada vez mais. Difícil entender também como a Literatura pode ser tão mal introduzida nas crianças a ponto de fazê-las detestá-la como era o meu caso. Aliás, vai ver que é de propósito, porque a leitura faz pensar, faz criar um senso crítico, torna a criatura mais ciente de seus direitos e isso pode não ser bom para muitos. Vai ver que é isso, só pode ser, você descer Machado de Assis goela abaixo numa pessoa de 13, 14 anos. Vá ler Dom Casmurro com 35 pra você ver como é bom. A onda é outra.

É isso, então. A ideia desta crônica é mesmo inconclusiva Tá mais para um Ensaio, uma reflexão sobre esse gesto, esta função autor que nos remexe inteira e nos tira de nós em um movimento quase tântrico e chega aí, bem aí na sua casa, na sua alma, em você.

Que bom!

Se puder me dar um “oi” no comentário, vou ficar feliz que só. Torna esse ato menos solitário e muito mais prazeroso.

Respostas de 4

  1. Oi Luciana, achei lindo teu texto.
    Esse trecho abaixo, em particular, traduz também um tanto do que eu sinto com relação a literatura
    “Quando é intencional, quando se escreve para agradar alguém, pode reparar, a literatura é rasa, rasa, nem comove, nem fede e nem cheira”
    Obrigado pelo texto

    1. OI Júlio, que bom te ver por aqui. Fico muito feliz. Obrigada e vamos nessa nos mergulhando e tocando as almas por aí. É isso que importa, né?
      Bjs

  2. Oi. É mesmo.muito mal introduzido a leitura para as crianças e consequentemente para os jovens. No meu caso gostei sempre acho que pelo o exemplo dos meus pais. Talvez aí esteja um bom caminho. Ler e um prazer mas como saber sem experimentar. Bjo

    1. O exemplo de casa conta muito mesmo. Sempre vi meu pai devorando livros, mamãe também sempre leu e, de certa forma, me intrigava eu não gostar. Fui curando meu trauma do colégio com o passar dos anos. E hoje, me sinto capenga sem um livrinho me esperando. rsrsrs

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