Eles e o tempo
Chegam prontos à minha padaria preferida. Lugar de comer afeto, beber a vida e olhar o mundo.
Sérios. Carregam em si o peso dos mais de 70 anos cada. Ele, com vestes jovens. Ela, com um vestido verde distinto – não consigo outro adjetivo para unir: elegante, discreto, chique e verde na mesma roupa. Distinto, é isso.
Ela ainda pinta os cabelos e mantém um corte atualizado. Ele fuça o smartphone. Ambos têm juventude suficiente para ainda trocar de mesa após virem que a do canto não era a melhor. Trocar de mesa é para jovens.
Conversam. Sobre os filhos? Os netos? O jardineiro da casa? Ou combinam a próxima viagem?
No olhar e nos silêncio, a cumplicidade. O tempo que leva uma vida toda pra ser conquistado. Muita perda de tempo até aí.
O que guarda a memória daqueles corpos rijos, com a forma dos anos e cheios de vida vivida? O que se dizem antes de dormir. Ainda se olham? Se querem?
Será que o corpo vai ganhando a forma do outro pra que, no final, o encaixe seja perfeito? Será que o abraço vai amolecendo a couraça e deixando o terreno à espera para aquele encontro de todas as noites depois do trabalho? As pernas se moldaram ao serem cruzadas à noite por tantos anos? Os pés já caminham sós, um acomoda o peito do seu no côncavo do outro e assim, só assim, a noite é tranquila?
Igual a abraço de pai e colo de mãe, que tem o tamanho da dor e do amor da gente.
Vai ver que é isso. O melhor do amor fica pro final. Vai ver que amor, amor mesmo, a gente só vai entender depois, quando percebermos que o corpo mudou pra ser morada de alguém. Que a alma acolheu as fraquezas de alguém sem gritos, sem julgamentos, como se fossem suas e delas cuidasse de modo a não ferir, não incomodar, pra que o ser amado siga em paz.
No fim – não da vida, mas no finalmente, quando se consolida o amor – a academia, a tinta nos fios, o bojo do soutien, todos os cremes anti-rugas e o Finasterida é tudo em vão. Só adiaram o encontro real de corpos reais que, juntos, eram rocha, nuvem e afeto.
O pedido chegou. O lanche foi divido irmamente . Para conter o Diabetes dele, para controlar o peso dela, talvez. Tudo programado pra que seja perfeito. Perfeito num contexto de imperfeições a que se destina o amor, ao que acontece com o amar, quando duas pessoas se escolhem por uma vida.
Acho que vão de bolo branco para sobremesa. Não sei, dentro das previsibilidades há tanta surpresa.
Será que são namorados de agora? Será que se conheceram no Tinder?
Não faço ideia. Sobre o amor, não tenho a menor ideia.
este sim é o real amor…superou as dificuldades, as incertezas, as carências, os ciumes, as cobranças da vida …. sim qdo se chega neste nível valeu a pena.
É isso, tia! Valeu a pena e deve valer a pena passar por tantas coisas pra ter essa cumplicidade, essa intimidade na vida, né? Bjs
Adorei. Me vi em sua crônica.
Obrigada! É bonito quando o que sai da gente toca alguém. Fico feliz. Bjs