A permuta dos livros
Laís comprara um livro de Zélia Gattai e fizera questão de ir à noite de autógrafos. Ou então encontrou com a autora em pleno supermercado e, por sorte, estava com o Chão de Meninos debaixo do braço, pois não conseguia parar a leitura nem para seus afazeres. Ora, tinha de saber se João Jorge estava mesmo com a poliomielite que pegara de Paloma, ou era só fingimento. Era fingimento, constatou duas páginas depois, enquanto esperava sua vez pra passar as compras do carrinho.
Já Ana perdeu a graça em Capitu. Nem chegou até o final da história por achou uma sem-sem-vergonhice essa mulher casada que frequentava a casa do melhor amigo, ou vive versa, cheia de más -ou boas – intenções. Quando Machado de Assis se dirigiu a ela com perguntas no meio da história, ela achou àquilo um abuso e pediu pra filha colocar esse livro e mais uns três ou quatro de Raquel de Queiroz – desses ela gostara bem mais, povo valente àquele que enfrenta a seca, gostara também da coragem de Maria Moura e lera o memorial em uma semana praticamente. Mas estavam lá, pegando poeira, ninguém da casa queria ler, passavam o dia olhando pra tela desse telefone “réi” como ela mesma dizia e resolveu se desfazer de sua pequena biblioteca para não dar trabalho às crianças que vão se sentir culpadas em jogar fora pertences que a mãe tanto gostava, depois que ela se for. Pediu pra filha botar tudo à venda no sebo virtual que ficava dentro desse tal celular aí.
A filha botou e a Rachel – a de Queiroz – foi parar na casa da Beatriz, que tornara-se admiradora da cearense depois de uma aula de literatura no colégio. O Avô de Bia, empolgado com a curiosidade da neta pela leitura, arrematou os quatro livros de Raquel pra neta, que vieram de Salvador e chegaram à São Paulo com as páginas amareladas e àquele cheiro delicioso de livro usado e gasto.
Bia, com sua curiosidade sem fim, viajava nos romances de Raquel de Queiroz, talvez nem tão apropriados para a sua idade, “certamente o vovô não leu essas histórias antes de me dar esse presentão”, pensava ela. Mas Bia também embarcava em divagações sobre o que sentira Ana ao ler àquilo tudo. Será que se emocionara? Sentira àquele frio na barriga? Será que também teria ganho de seu avô? Isso ela nunca vai saber.
Paulo mudou de fase. Casou-se, eles grávidos, e era hora de se desfazer das quase mil revistinhas de HQ – certamente o seu maior patrimônio, mas que jamais caberiam em setenta e dois metros quadrados que, naquele momento, era o que cabia no seu bolso. Queria cobrar dez mil Reais no sebo de virtual de livros reais, mas a esposa riu, aliviada e com um pouco de pena do marido, e disse que quinhentos estava bem pago naqueles desenhozinhos – ele odiava quando ela se referia assim às suas HQs. Ficou por isso e Fabrício comprou uma semana depois da oferta e ficou feliz da vida. Ele morava só e tinha um quarto destinado à sua paixão Geek.
Paulo ainda tem esperança de melhorar de vida e de, um dia, o novo dono enjoar e colocar as suas HQs de novo no sebo de livros virtual e suas revistas fazerem a viagem de volta. De Belém pro Paraná, de onde nunca deviam ter saído.
Do mesmo modo aconteceu com os livros do Alberto, que contavam histórias da história mundial, geralmente narradas pelo homem branco, mas que lhe davam um conhecimento imenso sobre a geografia e a sociedade mundial. Alberto é íntimo de de Luís XV, XVI, de Dom Pedro, Mariana Antonieta – a louca -, e conhece toda a galera enterrada no Panteon, na França e adjacências. As guerras também era assunto de interesse e, os livros se foram por motivo de “você ainda vai ler isso?”, dizia ela, a musa e organizadora de tudo. Ele cedeu. Vezenquando se lamenta daquele ou daquele outro que tinha aquilo que ele queria tanto averiguar novamente. Hoje devem estar em alguma biblioteca pública por aí, ou empoeirando em algum lugar.
Com os de Sidney Shaldom da Stella foi a mesma coisa, hoje estão morando no Rio, essa foi a última notícia que teve deles. Quais sonhos embala o que tanto a embalou? Os de Augusto foram contar histórias lá no Mato Grosso e os de André voaram de Macapá pra cá e chegaram nas mãos de Roberta que guarda com carinho a coleção de Jorge Amado. Os “Gracilianos” de Tonico partiram pra Porto Velho, os João Ubaldo de Pedro para Caruaru e as “Djamilas” de Antônia e Carla – ainda cheirando a novo -, andam mexendo com a cabeça das mulheres no interior do Piauí. Dizem que nunca houve uma revolução tão grande por lá.
É que a leitura bagunça a mente, desorganiza as ideias, mostra outros vieses latentes, mas ocultados por quem é de interesse e que tem poder.
Mas ela resiste. E feito uma trepadeira, ou praga, ela se propaga, e voa longe e sempre dá um jeito de encontrar guerrilheiros que, mesmo em silêncio, no privado do seu pequeno quarto, mas na imensidão de seus pensamentos, lá as histórias não cessam, os sonhos não emudecem e as ideias mudam de mãos, construindo um exército pacífico de cabeças atentas, pensantes e corações que se emocionam.
Como bem falou Antônio Cândido aqui, todos deveríamos ter direito à literatura.
qdo era bem jovem conheci uma senhora de nome Ieda que os presentes dados por ela sempre foram livros. tive o prazer de ganhar alguns nas datas festivas e aprendi a presentear com livros. Há algum tempo em uma das mudanças de residência enchi algumas caixas com livros e fiz doações. sempre fui bem eclética com minhas leituras e como viajava muito a trabalho os livros sempre foram excelentes companhias.
Livros são presentes que falam do nosso sentimento por àquela pessoa. Uma escolha à dedo. Acho tão bonito. Adoro dar livros e ganhar também. E, sim, são excelentes companheiros de viagens :).